30.5.07

Junho 2005
Naquele ano festejámos a chegada do Verão. Ao final do dia quis apagar a cicatriz recente, o risco meticuloso na tua pele ainda vermelha que denunciava os centímetros de avanço, a crescente proximidade do fim.
Esperei por ti aqui, junto da entrada, quando os dias eram já apagados pelo teu corpo. Adiámos a ida ao teatro, adiámos a festa de aniversário, os cafés no parque, os passeios sem destino certo, o movimento para lá da tua varanda, sem ser o dos barcos e o dos carros na ponte, o das pessoas. Algumas regressariam indiferentes no próximo sábado com os cães, como se pudesse ser esse um gesto banal, premeditado. Tivesses tu ainda, tivéssemos nós, a garantia de todos os minutos dessa semana. Desejei tantas vezes que não voltassem a passar naquele pedaço de relva para que pudesse ao menos questionar o que lhes teria corrido mal, pressupor a hipótese de uma tragédia. Acalmar a inveja que sentia daqueles passeios patéticos e repetidos, do rasto fresco que as bicicletas dos filhos deixariam no caminho de terra seca, do acumular tão provável dessas marcas semana após semana.
Começámos por embalar o presente como se mudássemos de casa. Por registar cada minuto, concretizar disfarçadamente os últimos desejos fazíveis. Antes de nos cansarmos de contar o esgotar dos dias.
Coloquei-me junto da ombreira da porta. Queria ter-te pedido quando chegásses, que aguardasses junto das escadas, com a luz a clarear as pontas dos teus cabelos, a tornar mais fria a imagem escondida das tuas costas. Queria ter-te guardado naquela imagem antes de saber que um dia esperaria por ti sem que voltasses a chegar. Queria ter relembrado contigo algum fragmento de uma tarde antiga de Julho. Queria que esperássemos ansiosamente, mais uma vez, pela luz do fim de tarde em Marraquexe na esplanada do Café de France enquanto o calor torcia o ar à nossa volta e o tornava irrespirável.
A necessidade de um registo fotográfico vive disso, de fragmentarmos os dias para editarmos os momentos, relíquias guardadas num álbum, numa caixa de bolachas, num sótão, numa gaveta que evitamos abrir. De imprimir os momentos para os trazer de volta. Reparo agora pela primeira vez, nesta fotografia, no canto direito da tua boca.

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