30.5.07

Julho 2005
Nos últimos 3 meses olhei para ti vezes sem conta. A objectiva da máquina ficava parada pela tua pele. Os detalhes, em ti, queria procurá-los por dentro. Abrir-te a carne, dissecar os músculos com precisão, passar os meus dedos no lado de dentro das tuas costas. Recompor-te. As datas só agora me servem para ordenar os momentos. O tempo, até agora, apenas serviu para medir ausências. As estações, os meses, nunca se mediram pela enumeração de uma data. Não foram os dias contados pelos dedos, não falámos do jejum imposto pelas horas que faltavam para uma visita, nunca datas marcaram acontecimentos. A não ser agora, na medida que me é possível; na medida infalível de contar a distância.
Por vezes dou por mim a procurar-te do lado de fora da janela, no cinema, a revelar-te nos químicos, no tempo de exposição do papel. Segundos apenas, minutos, no máximo.
Rio-me do gosto que sempre me deu guardar-te. Como dobrar a camisa de dormir antiga de uma avó já morta. Desdobrá-la, lavar-lhe a cambraia, retirar o amarelo do tempo. Voltar a dobrá-la, guardá-la na gaveta. No processo de restauro da minha memória, ela volta a andar pela casa. A trança negra a descer-lhe pelas costas, depois enrolada ligeiramente acima da nuca. Ela em pé. Ganchos pretos e dois travessões de tartaruga. Que ritual magnífico. Ser mulher, ser avó era dividir comigo as mãos que entrelaçavam o meu fascínio naqueles gestos. Dividir comigo os gestos que acabaram por ficar nas minhas mãos de menino. Dividir contigo o lado de mim que não ladeia o teu corpo ainda tão novo de homem, dividir contigo os gestos que poisaram nos teus cabelos. Dividir contigo uma fotografia tirada atrás de um biombo, umas meias tuas, uma mala cheia de cartas das quais duas foram escritas por ti.

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