30.4.07


Melancolia, António Dacosta

Vitorino Nemésio acerca de António Dacosta:

amanhã é Maio em lisboa.
hoje já é madrugada de Maio em Buenos Aires.

- estou? ana? veste-te bonita e anda ter comigo. encontramo-nos no princípio da rua da rosa. quero passear por lisboa com o meu fato novo.
- compráste um fato?
- mais ou menos. e uma gravata. trouxe o fato do emprego. depois vou devolvê-lo. não posso tirar a etiqueta para mo aceitarem de volta.
ana, despacha-te. estou à tua espera. daqui a cinco minutos.

que tarde boa, julian...

e Afeganistão... (site da aïna nos links para as notícias mais actuais)





http://www.ainaworld.org/news/news.php?news=20070219

Aïna Photo is the first group gathering Afghan women and men photojournalists taking a critical look at their country after years of silence.
During long years of violence and war, Afghanistan has only existed through foreign spotlights cast upon this ill-treated country. Today, as the Afghan people are going through a democratization and reconstruction phase, and enjoy freedom of speech again in their country, providing them with the means to share their own outlook on Afghanistan is critical.As a result, the Aïna Photo Department has been training professional photojournalists since September 2002, and has given them the opportunity to disseminate their work by ensuring the implementation of high photography standards and, most of all, by setting up the first Afghan photojournalism agency:
Aina Photo.


Hoje é para ir até ao Irão

28.4.07

uxía senlle (só um bocadinho...enquanto n está domado)

http://www.cdroots.com/audio/uxiaestou2.mp3

Luísa truxera com ela o saco onde tinha guardado o resto dos livros há minutos atrás, sem se dar conta. Atava as duas asas. Um saco vazio.
O Largo de Camões estava cheio de gente. Passava entre o barulho como se a manhã não tivesse ainda terminado. Como se não terminasse, não se largasse dela.
Fechou o casaco e agarrou os braços a amparar o copo com as mãos, suportada por elas, onde depositava o desfalecimento das suas forças.
Sentar-se-ia à janela do comboio. Arrepender-se-ia. Até de ter tido um filho. Pesar-lhe-ia depois a culpa insustentável de querer largar tudo. Consolar-se-ia no instinto ávido de o abraçar e de não mais afastar dele os braços para o compensar de desejar por segundos que não tivesse nascido.
Tinha o delinear dos lábios esgotado, a face inerte. Adormeceria até chegar à estação perto de casa. E horas depois, erguida por um esforço meramente motor. Os dedos cravados nas pernas, dentro dos bolsos. Duas moedas, apenas, num deles.

27.4.07


III
Do sorriso da avó reluz um dente de ouro, amarelo saudoso como a luz das janelas. Uma recordação que prendeu à boca, perto do som que enternece as palavras ditas todos os dias e dos beijos. Começa a contar até 12, baixinho, mas apressa os números a partir do 5, para que tudo se antecipe como nos filmes projectados ao domingo quando, por engano, a fita anda para a frente com mais velocidade. A mãe corre de um lado para o outro no quarto, à procura dos sapatos, como todos sábados. O F... está acordado a somar pelos dedos as horas até amanhã às 8 e conta até 12 ao mesmo tempo que a avó (sem saber, mas ela sabe). E os números entrelaçam-se com o ruído dos bichos da madeira e as tábuas a ranger e a valsa fora de tempo da concertina e do violoncelo. Todos suspiram em ritmo acelerado. O pai também, enquanto recorta partituras. O vento faz encher e desencher as roupas que secam às janelas e assobia nos espanta espíritos feitos de papel de música. E junta-se ao som dos bichos da madeira, das tábuas a ranger, à valsa da concertina e do violoncelo.
Até que a avó e o F... chegam ao 12. Todos suspiram e voltam ao tempo certo. Quase adágio, sussurra a avó. Cai um bocadinho de nuvem sobre o telhado e o gato salta e aninha-se no fato das fotografias. Batem à porta, como é habitual todos os serões.

Boa noite Luzirna.
Boa noite Ulmerno.
Esqueci-me do raminho.
Era de quê?
Tanto fazia. De dois dedos.
De quê?
De conversa.

A valsa continua. Doce. Anoiteceu tarde porque é Verão.
Bem-vindos à Vila Triste dos Pinga-amores.



eu comprei um cravo e pu-lo numa jarra. (25.4)
ALEX; «carequinha-e-pardal», Nuno Fontes

(há pessoas que ficam sempre e por isso não vale a pena habituarmo-nos à ideia de que deixaram de estar)


Andrea Dezsö: Cover of Print Magazine's 2004 May/June issueEmbroidery on white cotton canvas

Escreveu-me o henrique:
(...) já não tenho idade para perder pessoas. apareceram uns dentes de elefante. quando era pequenino queria ter um elefante. era normal.
(...)sozinho numa casa vazia cheia de luz e sol. talvez o meu pai tenha pensado o mesmo quando aqui entrou há 40 anos - é boa altura para vida nova. gostava que visses o sol na janela.

Christine Borland, Spirit Collection: Hippocrates, 1999, Installation View (Detail)

(...)is composed of almost one hundred drop-shaped vessels containing a leaf reduced to a skeletal form by bleach. The tree was grown from seeds of the Plane Tree of Hippocrates where it is said that Hippocrates taught his students.


Rachel Whiteread, Ghost, 1990
(...) a negative plaster cast of the space of an entire room in a London Victorian townhouse.

II

De um lado está uma estrada e o mar. Do outro podem subir-se quatro montes baixos, áridos, onde crescem algumas flores. Muito poucas. No meio há um terreiro com uma igreja, que serve também como tela de cinema.
Dentro de casa a cadeira de baloiço faz ranger a madeira do chão e o ruído mistura-se com o dos passos, cada vez mais próximos, com o da concertina e o do violoncelo.
A avó está sentada, embala os suspiros para a frente e para trás, enquanto borda o pequeno-almoço num tecido apoiado sobre o vidro da moldura da fotografia do marido, como faz todas as noites. Guarda depois os panos de cambraia bordados na gaveta dos chocolates. E volta a suspirar quando pendura a fotografia na parede 133 vezes furada, porque o prego está sempre a cair. 134, contando com o furo acabado de fazer.
Lá fora deixaram de ouvir-se os passos. A música pára por alguns segundos enquanto três vozes fazem soar um ai...longo e tremido como a luz. Mas, lenta e crescente, retorna a valsa.

26.4.07

ora bom dia dona maria!
há tanto tempo eu não a via...
ah! que lindas meias, que lindo chapéu!
mas...que bicho é que lhe mordeu?

traz o sorriso de pernas pró ar
e cada passo, cada suspirar...
como vai o seu gato chalado,
o dos dois bigodes de rebuçado?

assim, assim
um bocadinho às pintas
que engoliu a tinta de pintar o sarampo

(...)

querida ritinha,
em troca da receita da morangada de banana: uma saia mal enjorcada com uma nódoa de chocolate e uma rima.

- Menina Ana!
- Olá, D. Natividade!
- Então não me atendia o telefone porque estava a conduzir...
- Não, esqueci-me dele em casa. O que aconteceu?
- Chegou uma encomenda para si.
- ...vem de Paris? Uma encomenda de Paris?
- Parece-me que sim.
Que bom é termos crescido juntos no Verão. Por vezes também no Inverno.
E na Primavera e no Outono ter esperado que o Verão chegasse.
Obrigada Leo. Tenho uma borboleta de prata no braço. 23.4


Michaël Borremans, Manufacturers of Constellations

I

Nem muito longe, nem muito perto ouvem-se passos na estrada. Uma concertina e um violoncelo acompanham o escuro a alongar-se pela noite. A música é muito lenta, como quando se olha para o céu e se segue o trajecto de cada gota de chuva. Quando chove, claro. Não é o caso. A música é uma valsa. Dá mesmo vontade de dançar.
As janelas têm luzes muito amarelas e quentes que fazem tremer as sombras e brilhar tenuemente os cata-ventos. As casas são baixas, quase sem cor. Poder-se-ia dizer que tudo parece triste, se não se estiver atento a um ou outro pormenor.